8 - cinema

PORTUGAL


Título: A Selva
Género: Drama
Realizador: Leonel Vieira
Ano: 2002
Classificação: Bom ****
Argumento: I. Almada e J. Nunes, sobre obra autobiográfica de F. de Castro


Ver ficha técnica incluindo o trailer oficial de lançamento do filme.

Realizador e produtor portugueses (Costa do Castelo Filmes), apoiados por entidades brasileiras e espanholas. Filmado in loco em Belém do Pará e na Amazónia, com protagonismo de Diogo Morgado, Maitê Proença e outros . O filme segue quase à letra esse grande livro que é A Selva, de Ferreira de Castro, escritor português que viveu como emigrante na juventude uma dura experiência na floresta amazónica de inícios do séc. XX. Quando a brutalidade das condições físicas, da insegurança, dos desejos e interesses mais primitivos se sobrepunham a quaisquer pruridos civilizacionais.

O filme é rigoroso na fotografia e na direção de atores. Não inventa, nem se deixa diluir no paisagismo - o que na maravilhosa Amazónia seria tentação fácil - mas aí correndo o risco de desviar o eixo do filme do drama da transcendência da condição humana levada aos limites. Se a película peca é por ficar aquém do livro na força das emoções. Estou a lembrar-me da cena em que o assalariado, ante a quase ausência de mulheres na região, se satisfaz sexualmente numa égua. A repugnância da cena, poderosamente descrita no livro, surge apenas en passant no filme. Já em contrapartida, as cenas da  prepotência feudal sobre os trabalhadores são brutais e muito bem retratadas.

Como ponto mais fraco, a quase ausência da problemática ambiental e índigenista que, se se perdoa ao escritor
 na fase em que escreveu o livro, já não se desculpa (tanto) a Leonel Vieira, mesmo se em 2002 não estava na agenda como hoje o assalto dito "civilizacional" à maior floresta húmida do mundo.




ESPANHA
A propósito do tsunami: realismo?

Título: O impossível

Género: Drama
Realizador: Juan António Bayona
Ano: 2012
Classificação: Fraco **

Vi o filme numa daquelas salas brasileiras com ar e som no máximo. A melhor da cidade, num pequeno shopping com a particularidade duma moderna esplanada da alimentação sobre praia de coqueiros e mar verde-esmeralda.h

Quanto à película, será ela realista como alguns proclamam? Huuum... o cinema nunca é realista. O que mais pretende sê-lo é justamente o que menos é - dizem os próprios mestres da sétima arte.

O realizador só mostra o que selecionou, com o enredo que quis, e o final que ele fixou.

Para isso, o guião e a montagem. De dezenas ou centenas de horas, o realizador escolhe apenas umas dezenas de minutos e, em cada cena, determinados planos

O filme parece realista, pelo caos aparente da natureza (as cenas submersas foram filmadas numa piscina), pela confusão, pelas mortes. Mas será ? Cito Murielle Joudet em http://www.chronicart.com/Article/Entree/Categorie/cinema/Id/the_impossible-10867.sls

"À beira da estrada, ou agarradas às palmeiras, as vítimas parecem ser apenas turistas bem nutridos. Os autóctones, esses, não existem senão de relance, em planos fugidios, que apenas supõem vagamente a sua existência. Porque o único horizonte do filme é, claro, esta última cena do repatriamento onde, para uma família finalmente reunida, coberta de sangue e lama, o plano se pode fechar sobre cada membro, pronto a colocar o cinto no avião de regresso".

Por mim, confesso que entrei na sala descontraído e acabei, como todos, apanhado na armadilha das emoções que o filme explora.

Mesmo não estando virado, naquele Dezembro, para grandes análises, não pude impedir-me de reparar em dois detalhes: 

1º) o destaque dado a uma simples lata de Coca-Cola, quando mãe e filho e outra criança, entre destroços, sobem a uma árvore e a trocam de mão-em-mão, longos minutos, como se uma preciosidade fosse;  
2º) já perto do fim, a família chega ao aeroporto onde surge um sujeito engravatado que diz (sic) "a seguradora Zurich garante-vos todo o apoio e o melhor tratamento num grande hotel de Banguecoque".

Estranho que, da escassa meia dúzia de cenas otimistas da história, duas sejam duma publicidade descarada a grandes multinacionais.

É por isso que, mesmo correndo o risco de ser injusto - os planos são convincentes, a história bem contada, mas nas cenas referidas ultrapassa o mercenarismo tolerável -
atribuo apenas duas estrelinhas ao dramalhão bem gisado deste realizador catalão que filma em Inglês para o mercado global.



EUA

OBSERVE AND REPORT

Categoria: Comédia
Ano: 2009
Realizador e argumentista: Jody Hill
Actores: Seth Rogen, Ray Liotta, Michael Peña, Anna Faris
Classificação: Interessante ***

Explorando as ilusões dum ingénuo mas psicótico segurança de “mall”  (centro comercial) – símbolo omnipresente de todo um estilo de vida consumista – o realizador Jody Hill agarra habilmente os estereótipos da autoridade (o agente de polícia), do exibicionista (a figura menos conseguida no filme), da empregada sexy vs. a empregada vítima, do vigarista sem moral, da mãe alcoólica – toda uma extensa galeria de personagens caricaturais que valem sobretudo pela simplicidade e pela inserção na história, rigorosa como um puzzle.

Se a intenção de Hill era destruir estereótipos, os sinais foram bons. O filme põe de rastos o rigor e a seriedade da polícia, a vulgaridade da "rapariguinha do shopping" (que saudades, Rui e Carlos T.!), o mito norte-americano da família perfeita.

Mas o final em “happy ending” esgota-se na moral  vulgar  do bem que vence o mal.

Fica uma sensação de desperdício. Boa banda sonora, direção forte de atores, processos simples, prometiam mais que uma comédia - um “end” menos “happy”.

É como se o realizador andasse às voltas do problema, colhesse boas pistas, mas no final, por cansaço ou por cedência aos estereótipos, desistisse de o resolver.


BRASIL

XINGU

Categoriaficção com base histórica
Realizador:  Cao Hamburguer
Argumento: Elena Soarez, Cao Hamburguer, Anna Muylaert
Ano: 2012
Classificação: Interessante ***

Site oficial de XINGU - O FILME, trailer e roteiro: http://xinguofilme.blogspot.com.br/
Tenta repôr alguma verdade na biografia dos Vilas-Boas, fundadores do Parque do Xingu, milhares de km2 demarcados nos anos 40 para refúgio de tribos ameaçadas pelo avanço dos "brancos" no coração da grande floresta. Os Vilas-Boas são apresentados não como cientistas ou naturistas, antes  simples pessoas da classe média, dispondo de uma cultura razoável para o Brasil da época. Entediados com a vida rotineira de S. Paulo, partem numa caravana governamental que visa rasgar estradas no interior ainda selvagem do Brasil.
Porém, ao contactarem tribos nunca tocadas pelo homem branco, vão percebendo aos poucos a sua vulnerabilidade e o quanto os indígenas precisam de proteção sob pena de extermínio até por doenças simples para as quais não tinham imunidade, ou ataques de fazendeiros gananciosos em busca de nova terra abundante e grátis.
Não é um filme espetacular, cheio de truques, como os do cinema mais comercial. Mas a narrativa é fluida q.b. mesmo apresentando uma certa descontinuidade - como é o caso da exagerada emoção de Cláudio V.-B. ao saber da morte do irmão, com quem se tinha incompatibilizado após ele abandonar a luta na qual todos tinham decidido engajar-se.
Vale como documento histórico, ainda que ficcional, numa fase em que um novo avanço do capitalismo sobre a maior floresta virgem do mundo e consequentemente sobre o que resta das tribos indígenas atinge um ponto crucial na América Latina e particularmente no Brasil.

Obrigatório ver, pelo menos por quem se interessa pelo ambientalismo e pelos direitos indígenas.

ERA UMA VEZ...
Categoria:  Drama, neorrealista
Realizador:  Breno Silveira
Argumento: Patrícia Andrade, com Domingos de Oliveira
Ano: 2008
Classificação: bom ****

Era uma vez o Rio de Janeiro. Ultrapassada a beleza estonteante da paisagem, há uma sensação asfixiante: na verdade são duas cidades, a central, das classes médias e altas, bairros elegantes, o centro comercial e cultural, o Leblon, Ipanema, os hotéis, e essa outra cidade gigantesca dos pobres das favelas,  que cerca de forma óbvia e por todos os lados a cidade central.

História do amor impossível entre o rapaz sério da favela e a patricinha (bétinha) ingénua da cidade do asfalto. Tudo contra eles, acabam encurralados pelos interesses da corrupção, pela brutalidade da polícia, e pelo narcotráfico.
Ponto fraco: a relação entre os dois jovens protagonistas, em que falta alguma densidade psicológica para ser mais convincente.
Sem rasgos de obra-prima, é honesto, mantém um ritmo vivo e proporciona leitura séria dum Brasil que é (ainda) muito do que se espelha neste "Era uma vez".


CAPITÃES DA AREIA                                  

Categoria:  drama, neorrealista
Realizador:  Cecília Amado
Argumento: de Cecília Amado, sobre obra de Jorge Amado
Ano: 2011
Classificação: Interessante ***
Vale pela homenagem ao mestre do neorrealismo brasileiro, Jorge Amado. Sua neta, Cecília, confessa em entrevista à A Tarde, que pretendeu fazer "um filme baiano", pelo humanismo que o percorre.  Excelentes planos visuais, como na take que percorre o céu a partir da casa em ruínas, as cenas oníricas no mar, a autenticidade dos atores,  a narrativa fluida  suportam de algum modo a intenção da jovem realizadora na sua primeira "longa". 

Porém, justamente naquele que era o ponto forte e o sentido maior da corrente neorrealista dos anos 30 a 50 – a denúncia das injustiças sociais - o filme é apenas caricatural. O escritor merecia uma melhor leitura social. Jorge Amado descreveria hoje- acredito - a problemática dos meninos de rua do Brasil doutro modo.


ANÁLISE DO FILME COM CONTEXTUALIZAÇÃO SOCIAL

A CRISTALIZAÇÃO DAS IDEOLOGIAS DE ESQUERDA...
Para a escassa dúzia de pessoas que dispõe de instrumentos analíticos capazes, o filme é uma boa ilustração, sim, da  cristalização das ideologias tradicionais de esquerda e da ausência por essas bandas de estratégias eficazes no combate ao capitalismo no seu estádio atual.

Para quem vive acomodado ao  estatuto de burguês pseudo-crítico, é auto-compensador ficar-se por estas visões oníricas dos problemas sociais. Faz lembrar um surfista sobre a prancha, que finge surfar, mas sem mar por baixo. Ele apenas imita pateticamente o estilo, mas o seu surf é a seco. Exemplos? As correntes marxistas, a maioria dos sindicalistas, que continuam a falar de classe operária como espécie de deus ex-maquina, sem vícios, fazendo vista grossa ao facto de que ela, nos países "ricos" e nos "emergentes" tende a desaparecer, aburguesando-se. Na verdade, ela aspira mais a obter carros, TVs, IPads e consumos fúteis do que a lutar pelo bem coletivo.
...E A REALIDADE ATUAL DO BRASIL

Aqueles meninos “capitães da areia” solidários  que mantêm, a seu modo, uma certa ética, ajudando os mais fracos (o “sem-pernas”, a órfã e o irmão caçula), ou o “malandro” adulto, que lhes compra os objetos roubados, protegendo-os paternalmente, praticamente não existem nas cidades brasileiras. Foram substituídos por quadrilhas que assassinam friamente, traficam drogas pesadas e usam os miúdos como traficantes-consumidores, informadores e matadores. É um mundo de gente crua e brutal, que não adianta retocar como boazinha. O mundo dos pobres, aliás,  é uma espécie de simetria a negro do mundo dos ricos, replica ao seu nível toda a pulhice e perversidade  daquele, dum modo por vezes mais cruel. Quem não partir para os novos combates sociais armado com este conhecimento, só dispersa as energias e presta uma boa ajuda ao sistema podre que produz tanto o brilho fátuo das élites corruptas como o seu simétrico negativo nas classes baixas.

TENDÊNCIAS DO NOVO CINEMA BRASILEIRO

Há um novo cinema brasileiro que atinge um nível apreciável. Digamos que se trata de  boas réplicas dos filmes de ação de Hollywood, sem muita originalidade mas com um "perfume" tipicamente brasileiro, conseguem manter o espectador atento. Tropa de Élite, Assalto ao Banco Central, são exemplos. Trata-se porém, no caso, de obras que refletem de forma alienada os problemas sociais do Brasil, caindo naquele "ufanismo" que ciclicamente ataca o país, assente em concepções que resvalam para o fascistóide. 

A alternativa possível no Brasil a este ufanismo hollywoodesco, é uma certa esquerda que tenta, quiçá genuinamente, fazer denúncia social, mas reflete a sua posição de classe interesseira num olhar que se revela desfocado, sem eficácia, acabando por se tornar útil às velhas-novas oligarquias que vão mexendo os cordelinhos a seu belprazer. Esse, o perfil  de Capitães da Areia.
E é pena: bons realizadores e atores brasileiros mereciam melhor uso dos vastos recursos que possuem em saber e inspiração.


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